terça-feira, 7 de junho de 2016

CRÔNICA - O taxista, a surpresa e o Senhor Luiz




“Eram tardes agradáveis e às  vezes eu “ajudava” o Sr. Luiz a tratar dos passarinhos, ora dando palpites, ora fazendo perguntas mirabolantes sobre as coisas. E ele, em sua vasta paciência, procurava me explicar tudo, quase sempre achando graça naquele meu papo de aranha.”


Na semana retrasada, retornando de mais uma agradável viagem ao Centro-Oeste mineiro, peguei um táxi na Via Expressa, na altura da Estação Gameleira. Para minha sorte, quem estava na ponta da fila naquele momento era o Sr. José, uma pessoa simpática e de coração muito puro, o que pude perceber rapidamente pelo amor demonstrado em suas poucas palavras. Lá pelo meio do pequeno trajeto, quando  iniciamos um papo um pouco mais efetivo, perguntei a ele se iria trabalhar até muito tarde naquele dia. Ele me respondeu: “Já estou parando. Vou embora curtir o meu netinho, que chegou hoje do Mato Grosso. Temos uma relação muito boa. Ele é muito apegado a mim, e eu a ele”. Fiz silêncio por alguns instantes para logo em seguida me dar conta de que, de alguma forma, já conhecia aquela história.

Muita gente já conhece a minha relação com o meu avô paterno, o Sr. Luiz Bento Machado, que também era meu padrinho de batismo. Desde muito novo eu já convivia diariamente com o Sr. Luiz, porque ele era meu vizinho lá na Rua Resplendor, no bairro Santo André. E era comum eu passar muitas tardes por lá, muitas vezes porque a minha mãe precisava me deixar com eles enquanto ia resolver questões profissionais no Centro de Belo Horizonte. Eram tardes agradáveis e às vezes eu “ajudava” o Sr. Luiz a tratar dos passarinhos, ora dando palpites, ora fazendo perguntas mirabolantes sobre as coisas. E ele, em sua vasta paciência, procurava me explicar tudo, quase sempre achando graça naquele meu papo de aranha. Ele sempre recordava de duas passagens: do dia em que eu levei uma caixinha de pasta de dentes para fazer o enterro de um passarinho, que tinha morrido, e do dia em que eu pedi a ele para xingar o insuportável vendedor de loterias, que ficava o dia todo gritando na Rua Pedro Lessa: “Olha a cobra, olha a cobra”.

Apesar da chatice deste vendedor, meu Xará Luiz costumava fazer algumas “fezinhas” no jogo do bicho. E ainda ganhava, sempre me enviando parte do prêmio para que eu pudesse comprar algo. Sempre foi assim. Quando eu tinha pouco mais de 05 anos ele me deu um canivetinho, que ele ganhou de um índio de Goiás, e prometeu que me entregaria o mesmo quando eu completasse 18 anos. E assim o fez.

Por todo o período em que estivemos juntos, sempre permaneceu, além da relação amorosa entre avô e neto, uma forte ligação entre duas pessoas, entre espíritos. O Sr. Luiz, além de meu avô e padrinho, também foi um grande amigo, confidente, vizinho, xará e companheiro de vida. Viveu, em sua vida simples, 95 anos de uma pureza ímpar. Os mesmos 95 anos que ele insistia em dizer que viveria, como lhe foi dito pela tal cigana, ainda em sua adolescência. E assim foi, até sua partida, ocorrida em 24 de julho de 2007.

Despertei de minhas lembranças para dar atenção ao Sr. José, o taxista, que naquele momento começava a me contar sobre uma surpresa que estaria organizando para o netinho (de 17 anos) naquela noite. Ouvi tudo com atenção e desejei muitas felicidades aos dois, reforçando a idéia de que conhecia muito bem a força daqueles sentimentos e de que era preciso valorizar e aproveitar enquanto era tempo.

Desci do carro com uma bela sensação de paz, enquanto o Voyage branco desaparecia na noite fria de Belo Horizonte, levando o Sr. José para a construção de mais uma dessas boas histórias que carregamos por nossas vidas. 

2 comentários:

scarleth Menezes disse...

Que lindo esse texto.. Realmente foi um encontro de almas entre você e seu avô.. Infelizmente não tive a sorte de poder ter uma historia assim para lembrar, meus dois avôs morreram quando eu ainda era muito pequena, mas pude até sentir como seria, através da sua experiência. Parabéns!

Poeta da Lagoinha disse...

Obrigado, Scarleth. Eram tempos muito especiais. Eu também não conheci minha avó materna e sinto muito por isso.