“Eram tardes agradáveis e às vezes eu “ajudava” o Sr. Luiz a tratar dos
passarinhos, ora dando palpites, ora fazendo perguntas mirabolantes sobre as
coisas. E ele, em sua vasta paciência, procurava me explicar tudo, quase sempre
achando graça naquele meu papo de aranha.”
Na semana
retrasada, retornando de mais uma agradável viagem ao Centro-Oeste mineiro,
peguei um táxi na Via Expressa, na altura da Estação Gameleira. Para minha
sorte, quem estava na ponta da fila naquele momento era o Sr. José, uma pessoa
simpática e de coração muito puro, o que pude perceber rapidamente pelo amor
demonstrado em suas poucas palavras. Lá pelo meio do pequeno trajeto, quando iniciamos um papo um pouco mais efetivo, perguntei a ele se iria
trabalhar até muito tarde naquele dia. Ele me respondeu: “Já estou parando. Vou
embora curtir o meu netinho, que chegou hoje do Mato Grosso. Temos uma relação
muito boa. Ele é muito apegado a mim, e eu a ele”. Fiz silêncio por alguns
instantes para logo em seguida me dar conta de que, de alguma forma, já
conhecia aquela história.
Muita gente já
conhece a minha relação com o meu avô paterno, o Sr. Luiz Bento Machado, que
também era meu padrinho de batismo. Desde muito novo eu já convivia diariamente
com o Sr. Luiz, porque ele era meu vizinho lá na Rua Resplendor, no bairro Santo
André. E era comum eu passar muitas tardes por lá, muitas vezes porque a minha
mãe precisava me deixar com eles enquanto ia resolver questões profissionais no
Centro de Belo Horizonte. Eram tardes agradáveis e às vezes eu “ajudava” o Sr.
Luiz a tratar dos passarinhos, ora dando palpites, ora fazendo perguntas mirabolantes
sobre as coisas. E ele, em sua vasta paciência, procurava me explicar tudo,
quase sempre achando graça naquele meu papo de aranha. Ele sempre recordava de
duas passagens: do dia em que eu levei uma caixinha de pasta de dentes para
fazer o enterro de um passarinho, que tinha morrido, e do dia em que eu pedi a
ele para xingar o insuportável vendedor de loterias, que ficava o dia todo
gritando na Rua Pedro Lessa: “Olha a cobra, olha a cobra”.
Apesar da
chatice deste vendedor, meu Xará Luiz costumava fazer algumas “fezinhas” no
jogo do bicho. E ainda ganhava, sempre me enviando parte do prêmio para que eu
pudesse comprar algo. Sempre foi assim. Quando eu tinha pouco mais de 05 anos
ele me deu um canivetinho, que ele ganhou de um índio de Goiás, e prometeu que
me entregaria o mesmo quando eu completasse 18 anos. E assim o fez.
Por todo o período
em que estivemos juntos, sempre permaneceu, além da relação amorosa entre avô e
neto, uma forte ligação entre duas pessoas, entre espíritos. O Sr. Luiz, além
de meu avô e padrinho, também foi um grande amigo, confidente, vizinho, xará e companheiro
de vida. Viveu, em sua vida simples, 95 anos de uma pureza ímpar. Os mesmos 95
anos que ele insistia em dizer que viveria, como lhe foi dito pela tal cigana,
ainda em sua adolescência. E assim foi, até sua partida, ocorrida em 24 de
julho de 2007.
Despertei de
minhas lembranças para dar atenção ao Sr. José, o taxista, que naquele momento
começava a me contar sobre uma surpresa que estaria organizando para o netinho (de
17 anos) naquela noite. Ouvi tudo com atenção e desejei muitas felicidades aos
dois, reforçando a idéia de que conhecia muito bem a força daqueles sentimentos
e de que era preciso valorizar e aproveitar enquanto era tempo.
Desci do carro
com uma bela sensação de paz, enquanto o Voyage branco desaparecia na noite
fria de Belo Horizonte, levando o Sr. José para a construção de mais uma dessas
boas histórias que carregamos por nossas vidas.
2 comentários:
Que lindo esse texto.. Realmente foi um encontro de almas entre você e seu avô.. Infelizmente não tive a sorte de poder ter uma historia assim para lembrar, meus dois avôs morreram quando eu ainda era muito pequena, mas pude até sentir como seria, através da sua experiência. Parabéns!
Obrigado, Scarleth. Eram tempos muito especiais. Eu também não conheci minha avó materna e sinto muito por isso.
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